Autorretrato
- Rubens Cavalcanti Silva
- 17 de jul. de 2018
- 4 min de leitura
Atualizado: 24 de dez. de 2019
Sacolejando em minha vida

Todos em sacolejos
Eu sacolejava. Sacolejava dentro da barriga de minha mãe. Minha mãe também sacolejava junto com meu pai e mais algumas pessoas num caminhão, que também sacolejava coberto por uma lona carcomida, que lá no nordeste se chama pau-de- arara.
Made in nordeste

Eles vieram do nordeste pra cá. Minha mãe é de Altinho, um município de Pernambuco. Meu pai era de Recife. Mamãe era uma linda burguesinha de olhos claros e cabelos loiros. Era filha de fazendeiro, da tradicional família Cavalcanti, muito rica pelas aquelas banda. Papai era açougueiro. Pé rapado. Ambos fugiram do nordeste porque meu avô não queria que ela se casasse tão cedo. Mamãe tinha por volta de 16 anos. Como vocês podem perceber, ela já estava grávida. Do nordeste direto pra Mooca. Foram morar numa favela (hoje comunidade) onde praticamente só tinha nordestinos, cabras das pestes e fodidos. Nasci pouco depois no bairro de Casa verde, em São Paulo. A situação melhora um pouco e nos mudamos para um bairro chamado Jardim Grimaldi, em Sapopemba. Lá vivi até os 13 anos aproximadamente. Na escola eu adorava estudar. Ainda gosto. Só não gostava de matemática e gramática. Gostava de história, de redação e de artes. Claro.
Anarquista...
Por insistência de um tio, irmão de minha mãe, fomos morar numa cidade do interior chamada Suzano. Hoje é um município grande com várias indústrias. Seria um município próspero se lá não houvesse políticos. Aliás, o nosso mundo seria bem melhor sem a presença deles. Sou a favor do anarquismo, no verdadeiro sentido grego da palavra. Mas... Isso é outra história. Voltemos a nossa. Em Suzano fiz o ginásio. Mais tarde, em Mogi das Cruzes, cidade vizinha, fiz o colégio técnico. Técnico em publicidade. Em escola particular. O curso era de três anos. Paguei só o primeiro, pois participei de um concurso sobre um cartaz de propaganda da escola e ganhei o 1º lugar, que dava como prêmio uma bolsa para aquele período. No último ano entrei com um pedido de bolsa, pois estava desempregado e não dava mais para pagar o curso. Consegui.
Degradê
Quando me formei, resolvi fazer outros cursos na mesma área. Estudei desenho artístico, desenho publicitário, ilustração etc. todos pelo SENAI. Trabalhei na área por muito tempo fazendo catões de visita, capas de livros, panfletos etc. Ainda faço. Algum tempo depois, já casado, montei uma oficina de letreiros e propaganda chamada Degradê. Eu estava muito infeliz e angustiado porque não conseguia fazer o que mais gostava, que era pintar e desenhar. Então agia do seguinte modo: como eu abria a minha oficina às 9 horas, eu acordava por volta das 6h 30 trinta e pintava até umas 8 horas. Todos os dias, religiosamente, fazia isso. Depois ia para o trabalho.
Passado um ano aproximadamente resolvi fazer outros cursos relacionados à arte. Na região não havia tais cursos, então tive que me deslocar para São Paulo. Todos os sábados eu ia para o vale do Anhangabaú numa escola Chamada Cândido Portinari para estudar arte. Lá eu me aprimorei no desenho artístico e descobri várias técnicas como aquarela, o pastel, o guache, o nanquim, a acrílica, o desenho de moda, a maquete etc. Fui convidado por essa escola para dar aula. Quando o salário se igualou ao que eu tirava na oficina, fechei esta.
A coisa ficou preta, com o Color
Ao mesmo tempo trabalhei em um estúdio de arte e quando chegou a era Color, tudo ficou cinza ou preto, no Brasil. Fernando Color, além de nos “tomar emprestado” nosso dinheiro, nos tirou a dignidade, o trabalho e a esperança. Lembram-se do que eu comentei, acima, sobre os políticos? Para mim, além de perder meus empregos, juntou-se a isso a chegada do computador que, não tendo como me atualizar, quebrei. Nessa mesma época me divorciei. Não tendo muito como sobreviver, passei a fazer pequenos trabalhos na área de publicidade. Fui convidado, tempo depois, a dar aulas numa escola de desenho em São Caetano do Sul, chamada 28 de Julho. Terminei ficando nessa cidade e aqui casei pela segunda vez. Passado algum tempo, e já morando em Santo André, um amigo me chamou para trabalhar em seu atelier em Mogi das Cruzes e pra lá fui, mas continuei morando no grande ABC. Quando sai do atelier, comecei uma nova etapa como arte-educador, trabalho que venho desenvolvendo até hoje.
Fui atrás do canudo
Fato engraçado, é que, aqui em nosso país, não se conta o tempo que você tem de experiência em sua área. Você pode ter 10, 20 ou 30 anos de experiência, mas se não tiver curso superior, nada vale. As instituições acreditam mais no diploma do indivíduo e nos seus três anos de estudo do que naquele que sua experiência acumulada.
Por pensar em tudo isso, resolvi fazer Letras. No entanto como nunca estou satisfeito quando não faço inteiramente o que gosto, desisti do curso e me matriculei numa faculdade de artes. Vim buscar o tal do diploma que a sociedade está me pedindo há tanto tempo. Hoje faço pós-graduação em arteterapia e acredito que a sociedade está mais contente comigo agora (risos).
Agora sou artista
Não posso dizer que me arrependo de ter feito curso superior, muito pelo contrário, isto me ajuda bastante em minha carreira. No entanto, depois de 30 anos como artista e educador, consegui provar que sou artista com apenas alguns anos de estudos (risos de novo).
Em resumo, ainda sacolejo.
Se você quiser sacolejar um pouquinho, dá um pulinho no meu Facebook e veja alguns de meus trabalhos. Obrigado.
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